domingo, 4 de novembro de 2018

FAKE NEWS E PÓS-VERDADE


1712-1776
sec. XVIII


“a vida metropolitana é como uma permanente colisão de grupos e conluios, um contínuo fluxo e refluxo de opiniões conflitivas. (…) Todos se colocam frequentemente em contradição consigo mesmos (…) e tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo (…) um mundo em que o bom, o mau, o belo, o feio, a verdade, a virtude, têm uma existência apenas local e limitada (…) eu começo a sentir a embriaguez a que essa vida agitada e tumultuosa me condena. Com tal quantidade de objetos desfilando diante de meus olhos, eu vou ficando aturdido. De todas as coisas que me atraem, nenhuma toca o meu coração, embora todas juntas perturbem meus sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o que sou e qual meu lugar. (…) vejo apenas fantasmas que rondam meus olhos e desaparecem assim que os tento agarrar”.                  
                                                                                                                                            (JJ Rousseau, em - A Nova Heloísa- 1760 )

vamos ver se Rousseau tinha razão!!!






Fake news e pós-verdade

Por Mayra Poubel
Graduada em História (UFF, 2017)
Mestre em Sociologia e Antropologia (UFRJ, 2012)
Graduada em Ciências Sociais (UERJ, 2009)

 “Fake News” em tradução literal significa notícia falsa. O uso corrente que essas palavras têm tido atualmente não é, porém, uma relação direta entre notícia falsa e mentira. Alguns intelectuais apontam que estamos sob o domínio do “pós-verdade”, isto é, um momento em que notícias falsas são difundidas – principalmente com o advento da internet – importando muito mais as crenças que se pretendeu solidificar do que a veracidade dos fatos em si.

Eleita pelo dicionário Oxford (referência no papel de catalogar novos termos) como expressão do ano de 2016, o termo “pós-verdade” foi definido como “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos tem menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. De forma simplificada, a utilização dessa expressão se refere à diminuição do peso dado para a verdade factual e valorização das versões de um fato com objetivo de sustentar opiniões e ideologias.

Em linhas gerais, esta ideia já era discutida por Baudrillard (1929-2007-Fr.) quando ao analisar a sociedade pós-industrial apontava que as transformações ocorridas nesse período resultaram em um mundo onde há cada vez mais informação e menos sentido. A realidade não é mais simplesmente o que acontece, mas o que é capaz de ser simulado e reproduzido. A representação estaria, portanto, precedendo a realidade.

Embora a discussão de Baudrillard já abra caminho para o entendimento do descolamento entre o real e o que é reproduzido, a expressão “pós verdade” conforme utilizada atualmente apareceu no ano de 1992 na revista “The Nation”, se projetando a partir de 2016 com a divulgação de “Fake News” em dois eventos de alcance mundial: eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA e a saída do Reino Unido da União Européia (Brexit). Nestes dois episódios, a divulgação de notícias falsas podem ter sido decisivas para o resultado final das campanhas.

 Cabe ressaltar que notícias falsas sempre existiram na história da humanidade mas há quatro causas que se relacionam e explicam esse novo fenômeno:
1)      Descentralização da informação trazida pelas novas tecnologias de comunicação;
2)      Ambiente de forte polarização política, que contribui para a difusão de notícias falsas para atingir o inimigo ideológico;
3)    Crise de confiança nas instituições tradicionais favorecendo a autonomia das pessoas na busca pelas informações;
4) Fortalecimento de uma visão de mundo que relativiza a verdade resultado de mudanças socioeconômicas trazidas pela globalização que fragmentaram e flexibilizaram o modo de ver o mundo propiciando um pensamento mais individualista e imediatista.

Em um momento de queda em quatro grandes instituições: Empresas, Governos, ONG e Mídia, as pessoas estão mais propensas a ignorar informações que confirmam uma ideia com a qual não concordam, mostrando um desprezo pela verdade, ainda que baseado em fatos.

O grande perigo existente na fluidez da veracidade dos fatos é que a verdade não precisa ser provada, apenas afirmada. A afirmação/manipulação dos fatos para atender a determinados objetivos e ideologias foi uma estratégia muito utilizada nos regimes totalitários e que está perigosamente ganhando terreno também entre os regimes ditos democráticos.

Bibliografia:
Guia do Estudante. Atualidades vestibular + ENEM. Ed.26. 2º S 2017 Editora Abril
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