1712-1776
sec. XVIII
“a vida metropolitana é como uma permanente colisão de
grupos e conluios, um contínuo fluxo e refluxo de opiniões conflitivas. (…)
Todos se colocam frequentemente em contradição consigo mesmos (…) e tudo é
absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo (…) um mundo em
que o bom, o mau, o belo, o feio, a verdade, a virtude, têm uma existência
apenas local e limitada (…) eu começo a sentir a embriaguez a que essa vida
agitada e tumultuosa me condena. Com tal quantidade de objetos desfilando
diante de meus olhos, eu vou ficando aturdido. De todas as coisas que me
atraem, nenhuma toca o meu coração, embora todas juntas perturbem meus
sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o que sou e qual meu lugar. (…)
vejo apenas fantasmas que rondam meus olhos e desaparecem assim que os tento
agarrar”.
(JJ Rousseau, em - A Nova Heloísa- 1760 )
Fake news e pós-verdade
Por Mayra Poubel
Graduada em História (UFF, 2017)
Mestre em Sociologia e Antropologia (UFRJ, 2012)
Graduada em Ciências Sociais (UERJ, 2009)
“Fake News” em tradução
literal significa notícia falsa. O uso corrente que essas palavras têm tido
atualmente não é, porém, uma relação direta entre notícia falsa e mentira.
Alguns intelectuais apontam que estamos sob o domínio do “pós-verdade”, isto é,
um momento em que notícias falsas são difundidas – principalmente com o advento
da internet – importando muito mais as crenças que se pretendeu solidificar do
que a veracidade dos fatos em si.
Eleita pelo dicionário Oxford (referência no papel de catalogar
novos termos) como expressão do ano de 2016, o termo “pós-verdade” foi definido
como “relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos tem
menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças
pessoais”. De forma simplificada, a utilização dessa expressão se refere à
diminuição do peso dado para a verdade factual e valorização das versões de um
fato com objetivo de sustentar opiniões e ideologias.
Em linhas gerais, esta ideia já era discutida por Baudrillard (1929-2007-Fr.)
quando ao analisar a sociedade pós-industrial apontava que as transformações
ocorridas nesse período resultaram em um mundo onde há cada vez mais informação
e menos sentido. A realidade não é mais simplesmente o que acontece, mas o que
é capaz de ser simulado e reproduzido. A representação estaria, portanto,
precedendo a realidade.
Embora a discussão de Baudrillard já abra caminho para o
entendimento do descolamento entre o real e o que é reproduzido, a expressão
“pós verdade” conforme utilizada atualmente apareceu no ano de 1992 na revista
“The Nation”, se projetando a partir de 2016 com a divulgação de “Fake News” em
dois eventos de alcance mundial: eleição de Donald Trump para a presidência dos
EUA e a saída do Reino Unido da União Européia (Brexit). Nestes dois episódios,
a divulgação de notícias falsas podem ter sido decisivas para o resultado final
das campanhas.
Cabe ressaltar que notícias falsas sempre existiram na história da
humanidade mas há quatro causas que se relacionam e explicam esse novo
fenômeno:
1) Descentralização
da informação trazida pelas novas tecnologias de comunicação;
2) Ambiente de forte
polarização política, que contribui para a difusão de notícias falsas para
atingir o inimigo ideológico;
3) Crise de
confiança nas instituições tradicionais favorecendo a autonomia das pessoas na
busca pelas informações;
4) Fortalecimento de
uma visão de mundo que relativiza a verdade resultado de mudanças
socioeconômicas trazidas pela globalização que fragmentaram e flexibilizaram o
modo de ver o mundo propiciando um pensamento mais individualista e
imediatista.
Em um momento de queda em quatro grandes instituições: Empresas,
Governos, ONG e Mídia, as pessoas estão mais propensas a ignorar informações
que confirmam uma ideia com a qual não concordam, mostrando um desprezo pela
verdade, ainda que baseado em fatos.
O grande perigo existente na fluidez da veracidade dos fatos é que
a verdade não precisa ser provada, apenas afirmada. A afirmação/manipulação dos
fatos para atender a determinados objetivos e ideologias foi uma estratégia
muito utilizada nos regimes totalitários e que está perigosamente ganhando
terreno também entre os regimes ditos democráticos.
Bibliografia:
Guia do Estudante. Atualidades vestibular + ENEM. Ed.26. 2º S 2017
Editora Abril
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