terça-feira, 30 de dezembro de 2014




       PRINCIPIOS DA DIALÉTICA
                                                                                    Filosofia*     



Para início de conversa, todos somos dialéticos, pois a consciência individual é formada a partir de um processo dialético, a saber, pela aquisição e pela confrontação de valores culturais pré-estabelecidos. Somente através da existência de um outro pode ocorrer a necessária auto-afirmação e a consequente diferenciação que nos caracteriza enquanto indivíduos em contínua formação. No entanto, num sentido mais restrito, dialéticos são aqueles que compreendem, aceitam e sabem usar as leis da dialética. Os dialéticos usam essas leis tanto como método para conquistar a verdade, tanto como instrumentos para mudar o mundo e a si mesmos. Poderíamos definir a Dialética como uma espécie de sistema metafísico dualista que explica a realidade a partir da luta de contrários. Porém ela é mais do que isso, ela é a própria realidade no seu desdobramento espácio-temporal. Em suma, a Dialética é uma fenomenologia.
Considerado uns dos iniciadores da dialética, Heráclito de Éfeso (540 a.C.- 470 a.C.) dizia, em um dos fragmentos que restaram de sua obra, que "tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia". Expressava-se de maneira contraditória, com o intuito de descrever o movimento dialético do mundo, no qual tudo é mutável e fluídico. Já Platão (428 a.C.- 347 a.C.), discípulo de Sócrates (469 a.C.- 399 a.C.), tentou unir a concepção heraclitiana de ser como móvel e múltiplo, com a concepção de Parmênides (530 a.C- 460 a.C), que via o ser como imóvel e unificado. Estabelece-se em Platão, uma síntese dialética das idéias dos filósofos anteriores, ao afirmar que o ser é ao mesmo tempo móvel e imóvel e também que este é múltiplo e unificado. Em suma, uma concepção de ser, que englobou a sua contrariedade.
Plotino (205-270 d.C.), uns dos principais neoplatônicos, vê a dialética como uma maneira de purificar a alma e chegar ao conhecimento das idéias eternas. Nos tempos modernos, Hegel (1770- 1831) fez de toda a história da Filosofia um movimento dialético que culminaria no seu sistema filosófico. Tese, antítese e síntese, que são os elementos principais do sistema idealista hegeliano. A tese é a idéia inicial, a antítese, a sua negação e a síntese decorre da resolução desta contradição numa nova idéia que englobe elementos das duas anteriores. Karl Marx (1818-1883), juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), será o fundador de materialismo dialético, o qual inverterá o sistema idealista hegeliano, postulando que não é o pensamento que determina as condições materiais, mas as condições materiais que determinam o pensamento. Karl Marx faz da dialética um instrumento de análise e crítica social, com a finalidade não de interpretar o mundo, mas de transformá-lo. A luta de classes representaria uma constante tensão social que moveria as sociedades humanas através da história. A partir dela, Marx desenvolve uma série de conceitos, tais como ideologia, alienação, superestrutura. Somente uma sociedade sem classes, poderia ser uma sociedade justa e pacífica. Vemos uma continuação do projeto crítico nas obras dos chamados teóricos de Frankfurt, (Benjamin, Adorno, Horkheimer e Habermas) os quais utilizam as categorias marxistas na crítica da sociedade contemporânea.


A DIALÉTICA - O conceito, na visão de cada um.

HERÁCLITO DE ÉFESO >
Para ele a realidade é um constante devir. Prevalece a luta dos opostos: frio/calor, vida/morte, bem/mal... não é possível banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois nem o rio já é o mesmo e nem nós também somos os mesmos.
PARMÉNEDES DE ELÉIA > Segundo ele, o movimento é uma ilusão, tudo é imutável.
Para PLATÃO a dialética é um método de ascensão ao inteligível, método de dedução racional das idéias. "O conhecimento deveria nascer desse encontro (perguntas e respostas), da reflexão coletiva, da disputa e não do isolamento"
ARISTÓTELES > a dialética é apenas auxiliar da filosofia. Atividade crítica. Não é um método para se chegar à verdade, é apenas uma aparência da filosofia. Para ele o método dialético não conduz ao conhecimento, mas à disputa, à probabilidade, à opinião. Conseguiu conciliar os pensamentos de Heráclito e Parmênides com a teoria sobre o ato e a potência: as mudanças existem, mas são apenas atualizações de potencialidades que já preexistiam.
PLOTINO > a considera uma parte da filosofia e não apenas um método. Mas o sentido "método" predominou na Idade Média, ao lado da retórica e gramática e foi considerada uma arte liberal, a maneira de discernir o verdadeiro do falso.
No início da Idade Moderna a dialética foi julgada inútil, justificando que Aristóteles já havia dito tudo sobre a lógica. A dialética limitar-se-ia ao silogismo, uma lógica das aparências. (Kant e Descartes). Em Discurso do Método, Descartes propõe regras para a análise, para atingir cada elemento do objeto estudado e a síntese ou reconstituição do conjunto.
HEGEL > concebe o processo racional como um processo dialético no qual a contradição não é considerada como "ilógica", "paradoxal", mas como o verdadeiro motor do pensamento. O pensamento não é estático, mas procede por contradições superadas, da tese (afirmação) à antítese (negação) e daí à síntese (conciliação). Uma proposição (tese) não existe sem oposição a outra proposição (antítese). A primeira será modificada nesse processo de oposição e surgirá uma nova. A antítese está contida na própria tese que é, por isso, contraditória. A conciliação existente na síntese é provisória na medida em que ela própria se transforma numa nova tese. Para Hegel, a dialética é uma aplicação científica da conformidade às leis inerentes à natureza e ao pensamento, a via natural própria das determinações do conhecimento, e de tudo que é finito. É o momento negativo de toda realidade, aquilo que tem a possibilidade de não ser. A possibilidade de negar-se a si mesma. Hegel chega ao real, ao concreto, partindo do abstrato: a razão domina o mundo e tem por função a unificação, a conciliação, a manutenção da ordem do todo. Essa razão é dialética, pois procede por unidade e oposição dos contrários. Hegel assim retoma Heráclito.
KARL MARX > a dialética não é um método apenas para se chegar à verdade, é uma concepção do ser humano, da sociedade e da relação ser humano-mundo. Tanto Marx como Hegel sustentam a tese de que o movimento se dá pela oposição dos contrários - pela contradição. Na dialética materialista expressa em O Capital, Marx afirma que não existem fatos em si, é o próprio ser humano que figura como ser produzindo-se a si mesmo. Pela sua própria atividade, pelo modo de produção da vida material. A condição para que o Ser Humano se torne Ser Humano é o trabalho, a construção da sua história. A mediação entre ele e o mundo é a atividade material. - Mao Tse-tung (1839-1976) resume o pensamento de Marx: "a concepção materialista-dialética entende que, no estudo do desenvolvimento de um fenômeno, deve partir-se do seu conteúdo interno, das suas relações com os outros fenômenos, (...), deve-se considerar o desenvolvimento dos fenômenos como sendo o seu movimento próprio, necessário, interno, encontrando-se, alias, cada fenômeno no seu movimento, em ligação e interação com outros fenômenos que o rodeiam. A causa fundamental do desenvolvimento dos fenômenos não é externa, mas interna; ela reside no contraditório do interior dos próprios fenômenos. No interior de todo fenômeno há contradições, daí o seu movimento e desenvolvimento". Marx não nega o valor e a necessidade da subjetividade no conhecimento. O mundo é sempre uma "visão" do mundo para o Ser Humano, o mundo refletido. A dialética não é um movimento espiritual que se opera no interior do entendimento humano. Existe uma determinação recíproca entre as idéias da mente e as condições reais de sua existência "o essencial é que a análise dialética compreenda a maneira pela qual se relacionam, encadeiam-se e determinam-se reciprocamente, as condições de existência social e as distintas modalidades de consciência".
HENRI LEFÈBVRE > diz: "o método marxista insiste muito mais claramente do que as metodologias anteriores, ... a realidade a atingir pela análise, a reconstituir pela exposição (síntese), é sempre uma realidade em movimento". A dialética considera cada objeto com suas características próprias, o seu devir, as suas contradições. Não existem regras universais fixas. George Politzer diz : A dialética focaliza as coisas e suas imagens conceituais em suas conexões, em seu encadeamento, em sua dinâmica, em seu processo de gênese e envelhecimento", observa as coisas e os fenômenos, (...) no seu movimento contínuo, na luta de seus contrários. Para LEFÈBVRE: "A contradição dialética é uma inclusão dos contraditórios um no outro e, ao mesmo tempo, uma exclusão ativa." O método dialético busca captar a ligação, a unidade, o movimento que engendra os contraditórios, que os opõe, que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera.
O materialismo dialético não considera a matéria e o pensamento como princípios isolados, mas com aspectos de uma mesma natureza que é indivisível, duas formas diferentes: uma material e outra ideal; a vida social, una e indivisível se exprime em duas formas diferentes: uma material e outra ideal. O materialismo dialético considera a forma das idéias tão concretas quanto a forma da natureza. O método dialético tem duplo objetivo:
1º) como dialético, estuda as leis mais gerais do universo, leis comuns de todos os aspectos da realidade, desde a natureza física até o pensamento, passando pela natureza viva e pela sociedade.
2º) como materialismo, é uma concepção científica que pressupõe que o mundo é uma realidade material (natureza e sociedade), onde o Ser Humano está sempre presente e pode conhecê-la e transformá-la.
A dialética marxista não separa teoria (conhecimento) e prática (ação). "A teoria não é um dogma mas um guia para a ação." A questão de saber se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas prática. É na práxis que o Ser Humano deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento. A Dialética é uma unidade de contrários.
ROUSSEAU > a concepção dialética da história, oposta à concepção metafísica, da Idade Média, começa a criar forma. Para ele todas as pessoas nascem livres e só uma organização democrática da sociedade levará os indivíduos a se desenvolverem plenamente. O indivíduo é condicionado pela sociedade.
ENGELS > em: A Dialética da Natureza - formulou três leis gerais da dialética, a saber:
1ª - Lei da conversão da quantidade em qualidade: significa que na natureza, as variações qualitativas podem ser obtidas somente acrescentando-se tirando-se matéria ou movimento por meio de variações quantitativas;
2ª - Lei da interpenetração dos opostos, esta é a lei da unidade e da luta dos contrários, que garante a unidade e a continuidade da mudança incessante na natureza e nos fenômenos;
3ª - Lei da negação da negação, que garante que cada síntese é a tese de uma nova antítese, reproduzindo indefinidamente o processo.
Alguns princípios gerais ou características da Dialética são hoje aceitos:
1º Tudo se relaciona (princípio da totalidade) - a natureza se apresenta como um todo coerente, onde objetos e fenômenos são ligados entre si, condicionando-se reciprocamente. "A compreensão dialética se encontra em relação de intensa interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo, na interação das partes" (Karel Kosik, Dialética do concreto, p. 42, citado por Gadotti)
2º Tudo se transforma (princípio do movimento) Devir. A afirmação engendra a sua negação, porém a negação não prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são superadas e o que prevalece é uma síntese, é a negação da negação. O calor só pode ser entendido em função do frio.
3º Mudança qualitativa - dá-se pelo acúmulo de elementos quantitativos que num dado momento produzem o qualitativamente novo.
4º Unidade e luta dos contrários (princípio da contradição) - A transformação das coisas só é possível porque, no seu próprio interior coexistem forças opostas tendendo simultaneamente à unidade e à oposição.
· A contradição é a essência, a lei fundamental da dialética;
· Os elementos contraditórios coexistem numa realidade estruturada, um não podendo existir sem o outro.
· A existência dos contrários não é um absurdo lógico, ela se funda no real.
MANDEL >- A Dialética pode ser subdividida em "três níveis"
1º Dialética da Natureza - objetiva - independente da existência de projetos, de intenções ou de motivações do homem, que não age diretamente sobre a história humana;
2º A Dialética da História - Projetos humanos nas lutas das classes sociais - a realização desses projetos estão ligados a condições materiais, objetivos, pré-existentes e independentes da vontade dos homens.
3º A Dialética do Conhecimento - "que é uma dialética sujeito-objeto, o resultado de uma interação constante entre os objetos a conhecer e a ação dos sujeitos que procuram compreendê-los".