LIVRO SOBRE O ASSUNTO DOS TEXTOS ABAIXO:
"Nesta obra, Nicholas Carr afirma que as pessoas estão ficando mais
burras, e que a culpa é da internet. Segundo ele, as pessoas têm acesso quase
ilimitado à informações na grande rede, mas perdem a capacidade de focar em
apenas um assunto. A mente do internauta está caótica, poluída, impaciente e
sem rumo, e Carr faz um manifesto destacando a importância da calma e do foco”.
Filosofia da Mente
O cérebro e a internet
por João Teixeira
Todas as vezes que me sento diante do computador
para escrever uma coluna, duas ou três mensagens aparecem em uma pequena janela
que se abre no canto inferior direito da tela do computador. Na maioria das
vezes, são mensagens inúteis que conseguiram furar o filtro de spams. No
entanto, nunca consigo deixar de olhá-las, pelo menos de relance.
A internet vicia. Praticamente todo internauta
abre sua caixa postal pelo menos duas vezes por dia e, quando não há mensagens
novas, fica decepcionado. Outros, não resistem aos encantos efêmeros das redes sociais
e gostam de postar fotos, comentários, mensagens e ficam aguardando para saber
quantas “curtidas” eles recebem. O Facebook, entreteni mento gratuito para
todas as idades, colocou todos diante de um espelho, um teatro virtual no qual,
como diz Caetano Veloso, “narciso acha feio o que não é espelho”.
A internet roubou a nossa atenção, um patrimônio
psíquico importante e limitado. Nossa atenção praticamente sucumbiu à cultura
da interrupção fomentada pela computação ubíqua, que se tornou cada vez mais popular
com o uso de smartphones e outros tipos de celulares conectados à internet.
Raramente uma conversa não é interrompida pelo sinal de chegada de uma
mensagem, e tirar o celular do bolso para saber o que foi enviado já deixou de
ser falta de educação e se tornou um hábito inteiramente aceito. Receber e
responder mensagens é uma prioridade indiscutível.
Nos últimos anos, médicos, psicólogos e
cientistas cognitivos alertaram para os perigos dessa adição digital. Uma das
maiores neurocientistas contemporâneas, a inglesa Susan Greenfield, advertiu,
em uma entrevista que fez a uma revista médica brasileira, sobre os danos que o
vício da internet pode causar. Jovens que navegam demais nas redes apresentam
mudanças cerebrais semelhantes àquelas verificadas em compulsivos por jogos de
azar.
Greenfield não foi a única a espalhar esse
alerta. Outros pesquisadores como, por exemplo, Nicholas Carr, autor do livro A
geração superficial (2011), afirma que o uso constante da internet por crianças
pode ser uma das causas do transtorno de déficit de atenção. Rodney Brooks,
professor no MIT e um dos maiores roboticistas da atualidade, também defende
esse ponto de vista.
Por que a internet vicia tanto e com tamanha
facilidade? Ainda não se sabe ao certo. Há quem diga que a busca constante de
novidades na tela ou nas caixas de e-mail acaba se associando com a produção da
dopamina, um neurotransmissor que produz a sensação agradável de recompensa e
prazer.
Tenho outra hipótese. A internet é a tecnologia
mais neuromórfica que já foi inventada. Ou seja, ela é extremamente parecida
com o cérebro humano. Sua arquitetura é parecida com uma imensa rede neural.
Esse tipo de rede, utilizado pelos pesquisadores da inteligência artificial a
partir dos anos 1980, constitui um intrincado conjunto de conexões entre
neurônios artificiais, que são dispostos em camadas. Os neurônios artificiais
estão conectados entre si, podendo ser ativados ou inibidos por meio das
conexões.
A rede neural funciona como um sistema dinâmico,
ou seja, o estímulo inicial espalha excitações e inibições entre os neurônios
artificiais. Dado um determinado estímulo, diferentes estados podem ocorrer
como consequência de mudanças nas conexões, variando de acordo com a interação
do sistema com o meio ambiente e com seus outros estados internos. Outra
inovação introduzida pelos conexionistas é sua concepção de memória
distribuída. Uma lembrança consiste de vários elementos que estão espalhados
numa rede. Quando se invoca um, vários elementos da rede também são invocados,
até a lembrança completa se formar.
Sem percebermos, quando navegamos na internet,
temos a sensação de estarmos viajando dentro de um grande cérebro humano, uma
rede complexa de sinapses ligando os neurônios uns aos outros. Os links, que
sempre remetem a outros links em um processo interminável, são organizados da
mesma forma que os circuitos do nosso cérebro. Passar de um link para outro e,
muitas vezes, até esquecer o motivo original pelo qual entramos na rede
acontece com muita frequência. A navegação virtual capta o caráter errático de
nosso pensamento, a atenção fragmentada nos vários pontos que compõem nosso
fluxo de consciência.
A internet, construída como uma imensa rede
neural, é uma gigantesca imitação do cérebro humano. Nada pode ser mais reconfortante
do que, ao olharmos para todos os lados, só encontrarmos a nós mesmos no mundo.
A internet modificou de forma radical e irreversível o Umwelt humano, ou seja,
o mundo exclusivo que construímos ao redor de nós, nosso microambiente com seus
significados próprios. Não só a internet é a grande rede com o formato de um
cérebro, mas também aqueles que participam dela passaram a ser concebidos da
mesma maneira, como se cada um fosse uma espécie de neurônio ligado aos outros
de várias maneiras. Tudo e todos se transformaram em uma enorme rede.
Quem fica sentado diante de uma tela por dez ou
doze horas por dia acaba perdendo a experiência com o mundo. Quais serão as
consequências de ficar atrelado à internet o dia inteiro? Ainda não sabemos,
mas talvez possamos adivinhar. Einstein afirmou que “no dia em que a tecnologia
ultrapassar a interatividade humana, o mundo terá uma geração de idiotas”.
JOÃO DE FERNANDES
TEIXEIRA É PHD PELA UNIVERSITY OF ESSEX (INGLATERRA) E SE PÓS-DOUTOROU COM
DANIEL DENNETT NOS ESTADOS UNIDOS. É PROFESSOR TITULAR NA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE SÃO CARLOS. WWW.FILOSOFIADAMENTE.ORG
09/01/2012 às
13:13.
“A geração superficial – O que a internet está fazendo com os nossos
cérebros” (Agir, 384 páginas) é o livro que consolidou a posição do jornalista
americano Nicholas Carr como principal crítico cultural do mundo digital.
O livro nasceu de um artigo polêmico que Carr publicou em 2008, chamado
“O Google está nos deixando burros?”, comentado na época aqui no blog. A tese central é a mesma: ao nos ensinar a ler de outra forma – veloz,
horizontal, volúvel, interativa, baseada na satisfação imediata –, a tecnologia
digital está reprogramando nossas mentes no nível bioquímico, devido a uma
característica do cérebro chamada neuroplasticidade. Em consequência disso, a
capacidade da espécie de acompanhar raciocínios longos e mergulhar sem
distração na solução de um problema complexo pode estar simplesmente em vias de
extinção.
Se a ideia central já constava do artigo de 2008, “A geração
superficial” sustenta o pessimismo de seu autor com uma impressionante
variedade de informações históricas, científicas, econômicas etc. Consegue
manter no ar todos esses malabares sem perder a atenção do leitor – isto é,
daquele leitor que ainda for capaz de prestar atenção em um texto com mais de
cinco linhas.
Carr não é um luddita, um reacionário. Sabe que voltar ao império da
cultura livresca em que vivemos por séculos, com sua leitura linear e sua
concentração em uma tarefa mental de cada vez, é impossível. Tanto quanto teria
sido, para os contemporâneos de Gutenberg, desinventar a imprensa.
Essa inevitabilidade histórica não o impede de recuar dois passos em
busca de uma visão distanciada daquilo que a maioria de nós percebe apenas como
vertigem, quando percebe: ao revolucionar profundamente, em poucos anos, o modo
como lemos, aprendemos, trabalhamos, nos divertimos, nos relacionamos,
consumimos, a cultura digital está mexendo profundamente em… nós mesmos.
Estamos ganhando algo, obviamente: ninguém entrou nisso a contragosto. Mas
estamos perdendo algo também.
Evidentemente, Nicholas Carr não é o único a pensar assim. À medida que
reflui o deslumbramento com as inegáveis maravilhas do mundo digital, tem
crescido nos últimos anos a sensação de que a capacidade de concentração é um
bem que merece ser preservado a qualquer custo. Há alguns meses, publiquei aqui um artigo chamado “Concentração dividirá o mundo entre senhores e
escravos”, que trata justamente disso. Do outro lado do ringue, não faltam
também os que abraçam sem reservas todos os impactos psicossociais das novas
tecnologias.
Esse debate vai render por muito tempo. É difícil enxergar com clareza
os efeitos de uma revolução quando se está no meio dela. O notável livro de
Carr tenta fabricar luz na escuridão mantendo um pé no novo ambiente e o outro
no velho: o fôlego argumentativo e a qualidade do texto são típicos da era
livresca, enquanto a mobilização de informações ecléticas paga tributo ao jeito
Google de absorver o mundo.
É o Google, aliás, o personagem principal daquele que me pareceu o mais
luminoso argumento de Carr – e também o mais assustador. Trata-se de uma
analogia simples entre as ideias de Frederick Winslow Taylor, engenheiro industrial
do século 19 responsável pela criação do método de repetição mecânica de
tarefas que viria a dar na linha de montagem de Henry Ford, e a filosofia de
processamento de informações que norteia a mais bem sucedida empresa da era
digital. Como um operário cuja única função é apertar determinado parafuso, o
bom internauta tem a função de clicar, quanto mais depressa melhor, e manter a
máquina girando. Parar para pensar não é só um luxo: é contraproducente.
E ainda nem falamos de como fica a velha literatura nesse quadro.
Quarta-feira eu continuo.
Tags: A
geração superficial, interatividade, internet, leitura, neuroplasticidade, Nicholas
Carr, The
shallows
Sem a bebida púrpura, o Curinga consegue pensar com mais clareza! hahahahahha
ResponderExcluirMuito boa a postagem, realmente os avanços tecnológicos estão prendendo o ser humano...
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