CARTA A QUEM SE QUER
Nº33
O que é a amizade,
senão, um amor desinteressado?
E
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m verdade só acredito na reflexão sobre o que é essencial à vida
prática do homem. A filosofia sobre o banal me parece uma filosofia menor. E o
que pode ser mais essencial à vida humana que a amizade? Portanto, é sobre esse sentimento de
aproximação natural entre os homens que devo dedicar esta reflexão.
A amizade é para mim, o que há de mais essencial à nossa vida
com o outro, ainda que seja tão banalizada por nós. Há muito me pergunto; e a
amizade, o que é?
Antes, devo dizer que para tudo que dedico minhas reflexões,
primeiro ou em paralelo, vivo! 1
A amizade é o mais puro dos sentimentos e por isso mesmo, o mais
verdadeiro entre todos. Digo isso porque a amizade não precisa de regras, não
requer do amigo que ele esteja presente, ela não reivindica um lugar especial
na relação, não quer se mostrar, não é protagonista, ela é,
simplesmente.
A paixão, o amor, a solidariedade e muitos outros sentimentos de
aproximação precisam anunciar-se, estabelecer uma prioridade para a relação, a
amizade não. Por isso, ela é mais próxima ao natural. E o que é mais próximo da
verdade senão o que é mais natural? Por conseguinte, o natural é também o mais
próximo ao essencial. Em outros termos; a verdade está na essência e esta, está
na natureza das coisas ou no que é natural.
A amizade é a relação mais natural entre os homens, por isso,
ela é a mais, inata, logo: o mais verdadeiro entre todos os sentimentos humanos
de aproximação.
É fácil perceber isso. A amizade não traz em sua
composição o peso da possessividade típico da paixão, ela é livre. Também não
exige a reciprocidade na justa medida, isso é típico do amor, também não
estabelece benevolências, caridades, nenhuma forma de distinção; entre superior e inferior, poder e submissão entre
as partes, isso é típico da solidariedade. Enfim, a amizade é pura e natural.
Mas,
o que é a amizade afinal? Só posso dizer caracterizando suas diferenças em
relação aos demais modos e meios de relacionamento humano.
A amizade é uma dedicação, e por isso, ela é uma inclinação do
nosso ser em direção ao ser do outro. A amizade é um pôr-se pronto a atender as
necessidades do amigo, antes de julgá-las necessárias. È um estar sempre
disposto à, com e para o amigo.
A amizade pressupõe uma dedicação prévia de si, àquele a quem se
tem amizade. Não há na amizade a intenção de troca, a necessidade do outro vem
em primeiro lugar. É um dedicar-se previamente ao outro a partir das
necessidades dele. Não é um desejo, é um desapego; não é uma troca, é uma
disposição; não é uma doação, é uma atenção; não é uma benevolência, é uma
dedicação. Por tudo, a amizade é a mensageira da justiça e a guardiã da verdade
nas relações entre os homens.
Muito se enganam aqueles que pensam que ser amigo é dizer e
ouvir o que se quer, não! Amigo não é aquele que diz o que queremos ouvir, mas
o que precisamos ouvir. Também não é aquele que faz o que queremos que se faça,
mas o que precisamos que seja feito. Do mesmo modo, amigo não é aquele que está
conosco quando queremos, mas aquele que nos acompanha quando precisamos. Amigo
não é aquele que nos procura quando estamos sós, mas aquele que nunca nos
deixa sentirmo-nos sós. - Ainda que
esteja ausente.
A atitude de amizade não é uma atitude de concordância com o que
pensamos com medo do conflito, ao contrário, atitude de amizade, é aceitar o
conflito para evitar discordar de nossas ações. Também não é omitir a verdade
para não nos magoar, ao contrário, é ser verdadeiro para não nos decepcionar.
Enfim, a amizade é o mais verdadeiro sentimento de aproximação e
convívio entre os homens. Pode haver na relação humana afeição sem amizade,
solidariedade sem amizade, benevolência sem amizade, até amor sem amizade, mas
em nenhuma hipótese haverá amizade sem todos estes elementos. Por isso,
enquanto todos os sentimentos de aproximação e convívio entre os homens são um
todo só em si mesmos, a amizade é um todo com todos, ou seja, ela é amizade
porque ela é todos os outros tipos de sentimentos nela mesma. - Advirto que
não se trata de uma somatória de todos os tipos de sentimentos de aproximação
humana, muito menos de um conjunto deles. A amizade é um sentimento próprio,
único, distinto. Contudo perpassa e trás em si, todos os outros, transcendendo
a todos em direção ao que há de mais essencial, natural e verdadeiro na relação
entre os homens.
A amizade é quando nos sentimos impotentes e fracos diante do
mundo, da vida, de nós mesmos, e quando buscamos
alguma alternativa e encontramos alguém que tem por nós um sentimento que nos
faz renovar nossas forças e nos enche novamente de potência e nos põe novamente
de pé.
A amizade é um sentimento de atitude que nos confere a segurança
de não estarmos sós no mundo. Por isso, ela não é um estado, não é um “estar” é
mais que isso, é um “ser”, ser-disposto-ao-outro.
O amigo é este que nos ampara sempre, e o que lhe move na
direção do outro com a disposição do seu ser, para ampará-lo, é este sentimento
fundado no puro bem, no cuidado, com esse outro. É esse sentimento que ocupa o
mais alto grau na escala das virtudes humanas, só alcançado pelos sábios, que
chamo amizade.
1
Freqüentemente sou por muitos,tido como teórico, sonhador, por vezes acusado de
viver na ilusão. Aqueles que assim me julgam, digo que muito se enganam, pois,
não observam de onde vem o que penso e digo. Não é de outro lugar senão do que
vivo e pratico. O que lhes parece teoria ou ilusão, é na verdade a descrição
quase perfeita de minhas
experiências práticas de vida.
É MEU AMIGO, NÃO SABE A FALTA QUE SINTO DE NOSSAS DIVERGÊNCIAS, DUAS PESSOAS DE TEMPERAMENTO FORTE, DEFENSORAS DE SEUS IDEAIS, MAS SEMPRE RESPEITANDO O PONTO DE VISTA DO OUTRO. AMIZADE É ISSO, RESPEITO ACIMA DE TUDO AO COMPANHEIRO.
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