quinta-feira, 29 de agosto de 2024

  


     Horário de Recreio: intervalo ou

     Tempo-espaço sociopedagogico?

 

As lições que os escolares aprendem entre sí no pátio do colégio lhes são cem vezes mais úteis do que tudo o que se lhes diga na classe”. (J.J.Rousseau- Emílio. p.120).

 

N

 o livro segundo, da belíssima obra “Emílio” ou da Educação, Jean-Jacques Rousseau nos faz este alerta.  E está aí um ponto de reflexão para mudança na Escola, o tempo de “recreio” ou “intervalo” para os alunos. E observem que na citação Rousseau não usa o termo recreio ou intervalo.

Este tempo pedagógico chamado de “recreio” ou “intervalo” quase não aparece nas legislações educacionais, são pouco discutidos nas reuniões escolares, quase nunca é objeto de reflexão quando se discute o processo de ensino-aprendizagem na escola, a organização dos horários, currículo e projetos pedagógicos. Por quê? Um dos motivos é que o “recreio escolar” é visto apenas como tempo-espaço para recreação, divertimento, brincadeira, descanso, passatempo ou intervalo entre aulas.

Na Escola pública, normalmente o turno da manhã, por exemplo, inicia-se as 7:00h, com cinco aulas de 50 min. Após o terceiro horário (2:30 h depois), há um intervalo de 10 a 15min para o chamado recreio.  Neste intervalo de tempo, circulam pelo ambiente escolar de 600 a 700 pessoas em média, entre alunos, professores e funcionários. Lembrando que os prédios das escolas públicas são pequenos e muitos deles, improvisados para o funcionamento da escola, ou seja, não foram arquitetonicamente planejados para a circulação deste contingente. Destaque para as cantinas (quando há uma) que não suportam atender os alunos, por falta de espaço físico ou por insuficiência de funcionários para servir a merenda a todo este contingente, em tempo tão exíguo, situação que gera filas imensas de espera. (Aproximadamente 4 a 5 min de espera)

A mesma situação se vê na tentativa de uso dos banheiros. Na prática, quem vai ao banheiro não merenda ou quem merenda não vai ao banheiro, me disse uma aluna. Isso para cumprir as duas necessidades em 15 min, já que haverá mais 1:40 min de aula. Acaba que os alunos são obrigados a participarem de uma verdadeira maratona, de um corre-corre, todos os dias, durante todo o ano letivo. Ao fim, o que observamos? Alunos com fome até as 12:00h ou alunos que não lancham devidamente. E todos sabem o que isso significa para a aprendizagem e para o processo de ensino.

Mas, quero aqui levantar outro aspecto igualmente importante deste modelo de tempos e espaços escolares para responder o por quê, o “recreio” não é objeto de discussão no planejamento da escola e da educação.

O problema é que, gestores e professores, entendem este tempo escolar eminentemente como “intervalo”, “tempo de descanso”, de “recreação”, de “lazer” e não como um tempo pedagógico, de aprendizado.

Tudo bem que para os alunos este tempo escolar tenha esta conotação recreativa, mas, para nós professores, gestores, supervisores, com formação pedagógica, acadêmica e experiência na área educacional, é preciso que ampliemos a nossa compreensão sobre este tempo escolar. O recreio não é apenas um intervalo entre aulas, para descanso, lazer ou alimentação. É muito mais que isso!

Este tempo escolar deve ser visto como uma oportunidade ímpar de tempo e espaço para o encontro, o convívio social, a socialização, as trocas e práticas de relacionamentos em grupos, de formação de novos grupos de convivência, conhecimentos e reforço dos laços de amizades e solidariedade entre os alunos.

O Chamado recreio é o espaço-tempo e oportunidade onde e quando na escola, os alunos se encontram com seus pares, trocam subjetividades (sujeito-sujeito), exercitam sua juventude e se constroem como seres sociais. É o momento que o aluno tem para si na escola, para exercitar o bom e saudável bate-papo com o outro, seu igual. Para as primeiras experiências do sentimento de aproximação com o outro, o enamorar, o flerte, o encantamento da primeira paixão adolescente, muitas vezes inesquecível! É também quando descobre que não está só com suas alegrias e angústias adolescentes pois, há no outro, seu par, um igual que também vive problemas parecidos aos seus e muitas vezes é o que basta para que se apazigue diante das agruras da vida.

O recreio é onde os alunos se encontram e praticam a relação presencial, afetiva, é a oportunidade esperada, as vezes única, durante o turno ou até dias para que discutam suas questões, seus problemas, suas expectativas, seus sonhos. É no recreio que os alunos podem exercitar a afetividade, a sociabilidade com os seus iguais e aprenderem a conviver e respeitar os seus diferentes.

É neste tempo-espaço escolar que o aluno melhor enxerga sua escola, com um outro olhar, livre, contemplativo, para além das paredes das salas de aula, e se, se admirar, é provável que nasça ali um sentimento de pertencimento e cuidado com a escola. É o momento que ele tem para observar uma vez, tudo que tem visto todos os dias.

Diante destas questões penso ser pertinente nos perguntarmos: será que ao limitarmos estas manifestações naturais e necessárias do ser humano, com um tempo exíguo e espaço vigilante de 15min, não estaríamos antipedagogicamente, incentivando os encontros frios e distantes nas redes digitais? Inclusive durantes as aulas? Será que ao inibirmos e limitarmos tanto o tempo dos alunos para se relacionarem e exercitarem o diálogo entre si, não estaríamos inversamente incentivando a omissão da fala em sala de aula? A desídia estudantil? Será que ao minimizarmos esta prática de socialização e descobertas de si, com o outro, não estaríamos inversamente propiciando um ambiente de intolerância com as diferenças e agravando o chamado mal do século?

É no recreio escolar que o adolescente pode simplesmente ser e fazer as coisas que fazem os adolescentes.  Sem que estejam a serviço da “ditadura” do conteúdo, dos métodos disciplinares de cada professor, sob o doutrinamento de seus corpos e movimentos ditados pelos mapas de sala, sob a pressão das provas de competências ou sob a atenção direcionada de um adulto que exige atenção, postura e silêncio, comportamentos muitas vezes próprios do mundo adulto.

É preciso entender que o “intervalo de recreio” é também um tempo sociopedagogico, de aprendizagem, não dos conteúdos das matérias, mas dos conteúdos de vida por meio do relacionamento com seus pares. Por isso, um dos pontos que devemos mudar nas escolas públicas é o tempo de “intervalo/recreio”, passando dos insuficientes 15min. para no mínimo 25 ou 30min, para começo.

Isso é necessário, mas não é suficiente. Precisamos mudar nossa mentalidade, nossa concepção como educadores, sobre este tempo escolar, e entendermos o recreio como espaço e tempo sociopedagógico, um tempo de convivência humana e aprendizagem de socialização. Esta mudança de mentalidade é fundamental para evitarmos argumentos contrários do tipo: “ se aumentarmos o tempo de recreio o turno terminará mais tarde” ou “se aumentarmos o horário do recreio estaremos tirando o tempo de aula” ou “ se aumentarmos o tempo de recreio estaremos descumprindo ou penalizando a carga horária do estudante”. Não é verdade. O que está errado é o paradigma, a mentalidade técnico-científica-conteúdista de educação que não insere o recreio no tempo de ensino-aprendizagem. O recreio sociopedagogicamente é parte da carga horária do aluno, como vimos.  E por isso deve ser entendido como-espaço de aprendizagem escolar.

Se entendermos isso, aí sim, estaremos garantindo e respeitando o tempo de aprendizagem que inclui a prática do convívio social, como elemento imprescindível à socialização/humanização dos nossos alunos, e o recreio deixa de ser intervalo entre aulas, uma folga na carga horária escolar e passa a ser o que deve ser, sem precisar terminar o turno mais tarde caso se estenda o horário do recreio, sem temer “diminuição” da chamada carga horária do aluno.  - O homem é um ser político e social. (Aristóteles)

E, caso entendamos isso, teremos adquirido então, amplitude e profundidade de percepção e compreensão da finalidade última do processo educacional que é a humanização do ser social pelo exercício da prática de socialização e convívio. E assim, poderíamos construir até dois momentos de socialização inclusive. Um depois do segundo horário (8:40) com lanche, já que vários alunos (e professores) chegam à escola sem o café da manhã e outro, depois do quarto horário com alimentação reforçada, já que a maioria ficará na escola até a tarde.

É certo que deste modo teríamos alunos (e professores) mais descansados, alertas, revitalizados para as aulas seguintes o que certamente, produziria melhores rendimentos e relacionamentos educacionais, tirando a escola da letargia terminal a que se encontra e criando um espaço escolar vivo, pulsante e agradável de se estar e conviver como a escola deveria ser.

A Escola precisa repensar suas práticas se quiser continuar existindo em sua finalidade!

Prof. Westerley

Maio/2020

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P.S. Não é incomum, alunos reclamarem logo cedo de estarem na escola, dizendo que queriam estar em casa ou fazendo outras coisas. Muitas vezes pergunto: O que te faz vir à escola? Cem por cento das vezes a resposta é: Porque meus pais me obrigam ou para encontrar meus amigos! Nunca ouvi; para aprender tal matéria. (Inclusive a minha).


sábado, 10 de junho de 2023

PENSAMENTO, RAZÃO, INTELIGÊNCIA, MENTE E CONSCIÊNCIA. -- O QUE SÃO E QUAL A DIFERENÇA?

      

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De tempos em tempos, ao abordar em aula temas como: pensamento e razão, percebo imediatamente um incômodo no gestual dos alunos que não raramente, se transforma em questionamentos, refutações e discussões sobre o que são e como se dão estes fenômenos intelectivos e, imediatamente conceitos semelhantes surgem como pontos de conflito e confusão conceitual. E a dúvida mais comum é; afinal de contas, o que são e qual a distinção entre: Inteligência, razão, pensamento, mente e consciência? E, como estas coisas surgem? Pois bem!


Este é um texto inicial de apoio, dividido em cinco partes curtas, abordando cada uma, a um tema e destinado a quem deseja investigar o assunto mais profundamente. Elaborado a partir das explicações definidas pela Filosofia. As explicações científicas, biológicas, da Neurociência ou da Psicologia para o assunto, serão aqui citadas perifericamente, já que o foco é a explicação Filosófica.

 

   









1- O QUE É O PENSAMENTO?

TERMOS VIZINHOS: 

Pensamento liga-se a: Imagem, ideia,criar,criatividade,memória,lembrança, Razão.

segunda-feira, 27 de março de 2023

A Moral do Escravo

 

     

Fonte:https://razaoinadequada.com/2014/09/09/genealogia-da-moral-bom-e-mau-bom-e-ruim/

 

QUEREM IMPOR AO SENHOR LULA, A MORAL DO ESCRAVO.

A

pós quatro anos (2019-2022) de um Presidente belicosamente falastrão que, cotidianamente em rádios, tvs, lives, cometia as maiores atrocidades contra negros, pobres, índios, mulheres e lgbtqia+, propondo metralhar petistas, menosprezando milhares de mortes pelo covid, imitando debochadamente do sofrimento de idosos por sufocamento, fazendo discursos públicos contra a vacina, entre outras atrocidades, sem sequer, ser questionado por um repórter e, sem a mínima indignação coletiva da grande mídia.

Estoura nesta semana, no terceiro mês do Governo Lula, uma enxurrada de críticas e falsas polêmicas que transbordaram os noticiários de praticamente todos os jornais, revistas Tvs e Internet, contra as recentes falas do presidente Lula.

A primeira, numa entrevista ao vivo à Tv-247 (21/03), quando aludindo ao tempo de prisão injusta em Curitiba (2018), o Presidente desabafou proferindo um palavrão endereçado ao seu principal algoz, o ex. Juiz Sérgio Moro, que o perseguiu juridicamente e o prendeu sem provas. E a segunda fala, em (23/03) quando diz que é nítido a armação do Moro, se referindo a um plano de um grupo para assassinar várias autoridades, entre elas, o próprio ex. juiz. (Plano desbaratado pela polícia Federal no governo Lula, em defesa da vida do ex. juiz e de outras autoridades).

Ora! Por que essa assimetria de tratamento, por parte da imprensa e outros, em detrimento ao Presidente Lula? Vejamos!

Na sua obra “Genealogia da Moral”, Nietzsche descreve e chama a atenção para uma questão fundamental ao homem social e político. A Moral do Senhor vs a Moral do Escravo. Segundo Nietzsche, as pessoas se filiam em uma das duas morais e, para que a humanidade se imponha sobre a realidade que a escraviza, ela deve negar a Moral do Escravo e se filiar a Moral do Senhor, só assim, seremos capazes de agir e modificar a realidade.

Pois, bem! Qual é a Moral do Senhor e Qual é a moral do Escravo?

Nietzsche busca uma analogia entre o Senhor e o Escravo. O Senhor é o forte, o nobre, o corajoso, o que determina as regras e impõem a obediência submissa aos fracos. É o que domina!

O Escravo é o fraco, o pobre, o ressentido, o vingativo, o medroso, o que presta obediência submissa ao mais forte. É o dominado!

O senhor manda, o escravo obedece, o senhor define as regras, o escravo apenas as cumpre.

Ele só consegue afirmar-se pela negação e oposição: nega aquele a quem não consegue se igualar, define sua fraqueza como virtude, cala-se debaixo de chibatadas, silencia-se ante as injustiças sofridas. Destituído de sua humanidade resigna-se com a prisão, atribui à paciência, à renúncia, à resignação, seu principal mérito. Não percebe que é sua incapacidade de agir, de responder, de indignar-se que o levará a forjar o poder e a força do seu Senhor.

“Assim o homem ressentido traveste sua impotência em bondade, a baixeza temerosa em humildade, a submissão aos que odeia em obediência, a covardia em paciência, o não poder vingar-se em não querer vingar-se. O reino de Deus aparece como produto do ódio e do desejo de vingança dos fracos. Porque é lá que ele aniquila o forte”. O Escravo espera o paraíso para deixar de ser escravo, haverá de existir um mundo melhor, para onde irei depois desta vida desgraçada!

Assim, se estabelece a moral que nos diminui a todos. Pois, a Moral do Escravo é passiva, reativa e limitada à força da moral do senhor.

Nietzsche defende que adotemos todos, a moral do Senhor, pois, é esta moral que nos fará transformar este mundo. A Moral do Senhor é ativa, dominante, forte o suficiente para fazer as mudanças necessárias no mundo Humano. A moral do Senhor, se impõem, valoriza a força e a criatividade, a saúde e a sabedoria, a força da vontade e a autossuficiência Humana, rompe com a moral dos fracos e impõem a força da moral transformadora, que é a moral do Senhor, a que devemos adotar todos nós.

Pois bem, Lula é o estereótipo do Escravo; traz em seus traços e trajes, mais informais, os trejeitos de uma “raça” inferior, historicamente escravizada. Em suas mãos calejadas, vê-se as marcas do torno que lhe deu o alimento do corpo e lhe tomou o alimento do intelecto então na juventude, assim como a milhões de trabalhadores, que só fazem trabalhar. Este Lula é um analfabeto! E bradam os Senhores.

Como a um escravo mutilado, exibe as marcas da escravidão em sua própria mão. Lula é nordestino; desprovido de nobreza, é de origem pobre; desprovido de coragem, é do operariado; desprovido do poder de mando. Lula é da classe que obedece e se submete aos Senhores da mídia, do mercado, da Justiça, da verdade e agora, da opinião que se deve ou não dar sobre suas próprias angustias de perseguido. Por isso, não pode falar, não pode reclamar dos juros, não pode mandar seu algoz se fuder!

Ora, isso são modos de um Presidente? Lula não pode indignar-se e se vingar dos celerados que o perseguiram. Lula deve se manter na moral dos Escravos; quieto e calado, resignado ante a décadas de chibatadas cotidianas dos Senhores do Mercado e da mídia, da Política e da Justiça.

Como castigo, por enfrentar estes Senhores, Lula foi fisicamente encarcerado numa solitária por 582 dias, com uma mordaça legalizada pela mais alta corte para não mais falar. Como se fazia com os negros escravizados pelos brancos poderosos. Sua força e seu mérito devem ser o silêncio e a negação da vingança.  

Acontece, que não perceberam ainda, inclusive os escravos que o criticam, que Lula entrou escravo na cadeia e saiu assenhoreado de si. Senhor de suas ideias, de seus sentimentos, seus atos, de sua história, de suas falas. Lula está a cada dia se assenhoreando mais, de seu papel no mundo e de seu lugar na história. Suas falas de ontem se equivalem as de hoje, um chamado continuo para que não aceitemos a moral do escravo e nos assenhoremos de nossa força. Lula está dizendo que não aceita mais a moral do escravo, ele quer agora a moral do senhor.

Fala presidente! O que quiseres, pois só tu és o senhor de tua fala! Direito garantido por sua história de vida inteira dedicada a causa mais nobre que se possa ter. Uma vida digna para todos!

 P.S. E ainda, como Sócrates, provocou seus algozes para que saíssem das profundezas do Hades e fossem enfrenta-lo em praça pública, à luz do sol que ilumina toda a verdade.

Autor: Prof. Westerley Santos

BH, MG 24/03/2023

 

quarta-feira, 15 de março de 2023

 Mapa Grécia Antiga / Filósofos



Fonte:https://www.todoestudo.com.br/historia/grecia-antiga





sábado, 30 de julho de 2022

Para que serve a filosofia

PROFESSOR; FILOSOFIA SERVE PARA QUE?  

Esta é uma pergunta muito comum que alguns alunos nos faz. Há respostas clássicas e rápidas como: serve para nos ensinar a pensar criticamente ou serve para nos ensinar a conhecer a realidade por detrás das aparências ou ainda, serve para nos ensinar a conhecer a verdade e nos libertar das ideologias manipuladoras. Serve para tudo isso, mas não é só!

Grandes filósofos já abordaram esta questão: Tales de Mileto, Sócrates, Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Descartes, Dewey, Gilles Deleuze e Félix Guattari, José O. y Gasset, Marilena Chauí, entre outros, inclusive escritores importantes como; Fernando Pessoa e Machado de Assis.

Contudo, após todas estas explicações sempre fico com aquela sensação de que alguns alunos não se convencem muito do valor e importância da Filosofia, sobretudo para suas vidas práticas. Por isso, a pergunta sempre volta: Professor; filosofia serve para quê!? 

Talvez por dificuldade (cada vez maior) em pensar de modo abstrato, conceitual, crítico, para além do pragmatismo do mundo econômico, do imediatismo, do utilitarismo, promovido sobretudo, pela ideia capitalista de obtenção de resultados, o aluno se encontra entre; o que é isso? E para que isso; a Filosofia?  

É o mundo das coisas úteis e das aparências, que lhe é apresentado todo dia pela mídia e redes sociais, como o mais importante. A posse, o dinheiro, os bens, o carro, a moto, o celular de última geração, o tênis de marca...  Deste modo fica longe a percepção da importância do mundo dos valores perenes para nossas vidas, como; a Ética, a Justiça, a Política, o Amor, a Amizade, o Conhecimento, o Saber, o Pensar, a Linguagem, a Arte...  

Talvez por falta da prática filosófica, não nos aprofundamos em questões como:  o que é utilidade? No sentido de servir. E o que é necessidade? No sentido de ser inevitável a nossa vida.  Ou, o que é o Humano, e o que é o Divino? No sentido da existência.

De todo modo, mesmo que o aluno não perceba de início, ao perguntar para que serve a Filosofia? Ele está tendo uma atitude Filosófica, que é justamente perguntar, questionar, problematizar, querer saber, a partir de uma inquietação qualquer. Por isso, ele merece todo respeito e esforço possíveis para ser esclarecido sobre sua dúvida Filosófica.  Aristóteles tem uma bela passagem em seu livro: Protético.

Aristóteles: (384-322 a.C.)

“Se temos de filosofar,

temos de filosofar.

Se não temos de filosofar,

temos de filosofar.

Logo, em qualquer caso,

temos de filosofar”.

Mas, sinto que não basta uma resposta clássica ou tirada dos livros de filosofia. Percebo que é preciso associar a Filosofia às questões práticas da sua vida e de todos nós. É isto que pretendo fazer neste texto, para talvez, mesmo que limitado pela definição e espaço, possa responder ao meu aluno(a) de forma satisfatória e convincente; Para que serve a Filosofia?

Para responder a esta questão vamos seguir minimamente o percurso do pensamento filosófico que começa com:

  1. O Espanto! 

Espantoso! Por quê esta pergunta? Nunca ouvi perguntarem para que serve a Matemática ou a Física ou a Geografia ou as Artes. Também nunca vi estas áreas abordarem este tipo de pergunta e tentarem respondê-la. Claro, se assim fizessem, estariam fazendo Filosofia. Então, por quê se pergunta para que serve a Filosofia? E por que a Filosofia se preocupa em respondê-la? As respostas que me ocorrem, as estas perguntas nascidas do espanto só podem ser; há em cada um de nós uma vontade natural de saber, de entender o que não entendemos, somos Homo sapiens, queremos saber. O desconhecido nos causa Espanto. É aí que começamos a filosofar, a “usar” a Filosofia na prática para descobrirmos o que nos está encoberto e entendermos o que não entendemos. 


  1. A Pergunta!

Perguntar é um ato Filosófico. A pergunta, o questionamento, são atitudes Filosóficas iniciais de quem quer saber. As perguntas são as chaves para abrir a porta que nos convida a entrar na Ágora, na praça do debate e da discussão, as vezes conosco mesmos, onde acontece a reflexão, onde colhemos novos saberes para contrapormos aos que trazemos conosco. A Pergunta é o abre-alas para o desfile do conhecimento, rumo a apoteose do saber. Por isso, não se pergunta para que serve as outras ciências, pois, se, se perguntar, estará entrando na praça da Filosofia. 


Pode-se se dizer que esta é a primeira “serventia”

da Filosofia.

Nos inquietar diante do não-saber,

do ignorar algo! 


Mas, não se trata de qualquer pergunta, a pergunta filosófica é daquelas que busca a origem da coisa que se quer saber. O que é a coisa? É aquela pergunta que busca entender a coisa Como ela é? São aquelas perguntas que buscam as causas, a razão de ser, de existir é o porquê da coisa?  E por último, são aquelas perguntas que querem saber a finalidade da coisa; é o Para quê é?  São estas as perguntas filosóficas. 


Pode-se dizer, então, que esta é a segunda “serventia” da Filosofia. Nos colocar diante das questões que nos espantam e assombram, nos levando pela pergunta, a buscarmos a origem, a definição, a razão de ser, e a finalidade de tudo, para que racionalmente, debatamos e reflitamos sobre as coisas profundamente, na intenção de entendermos o mundo e a nós mesmos.


  1. A Análise Crítica!

Bem, de certo modo, até aqui estamos fazendo um tipo de análise da pergunta feita pelo aluno; para que serve a Filosofia? E, é assim que o Filosofar procede, analisando e separando em partes para avaliar, descrever, identificar os vários aspectos da coisa analisada, sem perder o todo da questão. Mas, e a crítica? Já que a Filosofia exige que a análise seja crítica!. 

Filosofia “serve” para analisarmos

criticamente a realidade,

evitando os (pre) conceitos e discriminações.

A crítica é a avaliação mais ampla e profunda que podemos fazer da coisa analisada, demonstrando os aspectos positivos e negativos e, diante disso, realizar um juízo de valor sintético, porém, aprofundado, de raiz, apoiado na realidade e nas várias implicações existentes. Isso, para não cairmos numa análise superficial, onde normalmente habitam o erro, o engano, os preconceitos e as discriminações. O senso comum por assim dizer. A Crítica é o juízo de valor interno e eticamente correto da coisa analisada, fazendo uma relações com o mundo exterior.

              Separando as partes da pergunta para análise...

O termo servir na pergunta, traz a ideia de útil, utilidade, para que serve a Filosofia? Tem a mesma intencionalidade de; qual a utilidade da Filosofia? 

Pois bem, qual é o aspecto positivo desta ideia? Uma possível é que ao indagar sobre sua utilidade o aluno está querendo saber onde pode usar ou aplicar a Filosofia em sua vida prática, como pode usá-la em seu benefício. No mínimo ele quer entender para quê Filosofia na prática? Qual a sua finalidade, qual a sua utilidade? E isto, é positivo do ponto de vista prático. 

O ponto negativo desta ideia é que, a Filosofia não se usa, só podemos usar o que é um objeto. Mas então, o aluno poderá pensar que a Filosofia não se aplica na prática! O que é um engano que ele ainda não percebeu. Por isso, a necessidade de continuarmos esta análise. 

        4 – O Juízo....

Até aqui, nossa análise demonstrou que para a Filosofia não se aplica a ideia de utilidade. A ideia de utilidade se aplica tão somente aos objetos, pois são eles que têm esta função. Natureza, pessoas, sentimentos, emoções, arte, pensamento, são de outra característica, não podendo ser classificadas como úteis ou inúteis. Pessoas, por exemplo, não podem ser definidas como úteis ou inúteis, assim é também para a razão e o pensamento, assim é para a Filosofia. Logo; a função da Filosofia não é ser útil ou inútil, isto , cabe aos objetos. 

A função da Filosofia é nos ajudar a pensar, a raciocinar de modo correto, amplo e profundo sobre todos os mundos: espiritual, humano, dos fatos, das coisas, da natureza...  Não se pode fabricar uma bomba com a filosofia, ela não tem essa utilidade, esta função. A função da Filosofia é analisar criticamente, pensar e orientar nossas ações mais humanas, é indagar valorativamente. Exemplo: Para quê bombas? Por que há guerras? O que causa a violência? O que é a violência? Como devo agir para evitá-la? Isto é correto? Por quê? É este o caráter necessário da Filosofia, e não o de uso ou utilidade como pensa o senso comum. 

Então, podemos dizer que a Filosofia “serve” para

avaliarmos e julgarmos como as coisas são

ou deveriam ser, como agirmos ou deveríamos agir

na prática, diante da realidade do mundo.

Isto, com base em ideias universais e questões mais

essenciais à humanidade.

        5 – Aprofundando e ampliando a questão.

Até aqui, ainda não respondemos satisfatoriamente o que o aluno quer saber. Que me parece ser; após nossas análises, “se, a Filosofia se aplica a nossa vida prática e em que circunstâncias? ” 

Bem, como vimos a Filosofia não trata das superficialidades da vida, ela pretende ir a fundo nas questões mais essenciais e fundamentais à nossa existência e ao nosso modo de pensar e agir no mundo. Um bom exemplo disso é a aplicação da Filosofia no campo da Ética. 

A axiologia é o estudo dos valores, onde o mais importante é a Ética, uma reflexão filosófica sobre os valores mais humanos que nos leva a consciência do agir correto sobre o mundo da Natureza, da Moral, da Justiça, da Virtude, do Bem, da antiviolência, do fazer político ou seja, sobre nossas ações na vida prática rumo à felicidade e a preservação da própria vida. 

Se, a Filosofia se aplica ao campo Ético

e, a Ética está no campo da vida prática,

então; pode-se dizer que a Filosofia se aplica

a vida prática.

Estas reflexões geram ações práticas nas Leis, na Política, na Moral, na aplicação do conhecimento científico, nos costumes, no Direito, em nossos valores, entre outros. 

Outro exemplo, é a aplicação da Filosofia no campo da ação política. A consciência de cidadania, de justiça, de direitos, próprios dos sujeitos políticos que somos, são práticas da vida cotidiana que se tornam cada vez melhores quanto mais compreendidas e orientadas pelo pensamento Filosófico temos sobre elas.

É nossa ação na sociedade que define a qualidade de vida que teremos. No campo da Política estão: nossos direitos, nossas oportunidades, nossa vida produtiva, acadêmica, cultural, artística, econômica, social, de lazer, de justiça, do conceito e prática da Democracia, que estão na ordem do dia da nossa vida prática. 

Se, a Filosofia se aplica ao campo político e,

a Política está no campo prático,

então; pode-se dizer que a Filosofia se aplica a vida prática. 

Continuando, há um outro exemplo de “serventia” da Filosofia que é o campo do diálogo. Somos seres de linguagem, esta cria mundos imaginários e reais, planos e realizações, são meios de expressão de nossos sentimentos, emoções, paixões, pensamentos e ideias. 

Pela linguagem expressamos nossos desejos, nossas relações sociais, políticas, obtemos conhecimentos e entendemos as lições da Fé, das artes, da História, das angústias e do sofrimento. A linguagem nos oferece a música, a poesia, a ciência, o Direito... E tudo isso se faz pelo diálogo com nossos pensamentos, com o outro ou com todas estas áreas. E isto, é vida prática! Logo:

Se, a Filosofia atua no campo da Linguagem

e, a Linguagem está no campo prático,

então; pode-se dizer que a Filosofia se aplica a vida prática. 

A Filosofia se faz pelo diálogo, pela ação mental e lógica do debate, da dialética, que desfaz as falácias da ideologia dominante. 

Com o uso refletido da Linguagem, criamos, desenvolvemos e analisamos conceitos que servirão de bases para outras áreas. 

Um outro exemplo de “serventia” da filosofia é o campo da Estética, do amor, da amizade. Somos seres de sentimentos e percepções de mundos e expressamos estas percepções, sensações e sentimentos principalmente pelas Artes. É a Estética, razão da sensibilidade.

Somos seres racionais, mas também, somos seres de emoções e paixões, de sensibilidade para com o outro e com o mundo. Passa pela sensibilidade a nossa identidade e solidariedade para com o outro. Passa pela sensibilidade a percepção de que somos iguais enquanto espécie e diferentes como indivíduos. Então:

Se a Filosofia atua no campo da sensibilidade,

e esta faz parte da vida prática,

logo: a Filosofia se aplica a vida prática.

Um outro exemplo de “serventia” da Filosofia é o campo da Lógica, da Ciência e Conhecimento, a Epistemologia

O conhecimento científico (Episteme), talvez seja a maior conquista da nossa capacidade intelectual. Em quatro séculos de ciência moderna, (1700 a 2000 d.C.)  A Humanidade deu um salto de conhecimento em todas as áreas do saber, maior que em todo o período anterior, a contar das civilizações antigas em (3.500 a.c.). 

A Filosofia, junto com os fenômenos da natureza, talvez seja a principal fonte de questões e temas que depois, quase sempre, são pesquisados e desenvolvidos pelas Ciências, como: 

A Neurociência, a Robótica , a Nanociência, a Bioética, os Transgênicos, os Fractais, o Metaverso... são só exemplos do avanço do saber científico moderno.  O conhecimento científico nos tirou das incertezas e enganos das opiniões (Doxa) e nos trouxe para mais próximos da verdade, (Episteme), a partir das indagações da Filosofia.

Se, a Ciência, a Lógica, a técnica e

a tecnologia estão em nossa vida prática e,

a Filosofia participa destas questões,

então; a Filosofia se aplica ao mundo prático.  

Um outro exemplo de “serventia” da Filosofia é a Cosmologia. Área de conhecimento da Filosofia nascente que cuida das questões da Physis ou natureza. 

Hoje esta área se dividiu em Física, Química, Astronomia, parte da Geografia que buscam entender a constituição e origem deste mundo físico. Inegavelmente estas áreas fazem parte de nossa vida prática.

Outro exemplo de “serventia” da Filosofia é a Psicologia. Área oriunda da Filosofia da Mente, (Psique), que investiga a mente humana, desejos, paixões, sentimentos, angústias, prazeres... Questões que fazem parte de nossa vida prática e dizem de nossa personalidade. Os estudos sobre nosso cérebro e mente, como a Neurociência, por exemplo, são fundamentados pela Filosofia da Mente. Então:

Se, a Filosofia se aplica ao campo da Física e da Psicologia

e estas, estão no campo da vida prática,

pode-se dizer que a Filosofia se aplica a vida prática

Outro exemplo é a Antropologia; área de estudo da Filosofia que estuda o problema do pensar e fazer histórico e cultural do homem no mundo...  

É quando perguntamos quem somos nós? Quem é o Humano, o homem? O que é a cultura? Quanto de nós é dado pela natureza, quanto é dado pela cultura e pelos valores? São questões que conversam com todas as áreas em que o ser humano participa. A Biologia, por exemplo, é um braço da Antropologia na medida em que quer saber quem somos e como funcionamos biologicamente.

Outro exemplo bem prático em nossas vidas, é a questão Metafísica. Área de estudo da Filosofia que investiga o SER, a essência, o existir de todas as coisas. Junto dela a questão da Fé, da crença, da espiritualidade e Religiosidade. Logo:

Se, a Filosofia participa da existência do homem

no mundo, em seu fazer e pensar na cultura,

se tudo isso faz parte da vida prática,

então; a Filosofia se aplica a vida prática.

São temas tratados pela Filosofia na Teodiceia ou Teologia. E, embora sejam assuntos ligados a espiritualidade, são também da prática de nossas vidas. Quem é Deus? Deus existe ou nós o criamos? O que é a Fé? 

É a partir destes estudos que a Filosofia elabora suas questões mais originais sobre todas as coisas, como: O que é a coisa? Como é a Coisa? Por que a coisa existe ou não existe? O que faz a coisa ser esta coisa e não outra coisa? Perguntas que nos conduzem no mundo e a vida prática. 

Por último, mesmo que não acabe aqui, a questão que talvez seja a mais universal entre todas para os seres humanos. Aquela que todos, igualmente, buscam por toda vida e que talvez, seja o motivo maior que faz a vida valer a pena.- A Felicidade!.

Está é a grande motivação da existência da Filosofia, a razão de ser de toda a Filosofia desde seu surgimento no Séc. VI. a.c. com Tales de Mileto, chegando principalmente em Sócrates, Platão e Aristóteles no Séc.V.a.c.  

O que estamos procurando no mundo? O que queremos todos nós? Para que vivemos? O que é a Felicidade? Ela existe? Como alcançá-la? Por que buscamos a Felicidade? Como ser feliz? "Uma vida sem reflexão filosófica não é digna de ser vivida"?

São questões práticas que vão muito além das preocupações com as posses, o dinheiro, os bens, o carro, a moto, o celular de última geração, o tênis de marca, a roupa ou a moda. Estas são coisas uteis, a filosofia é uma coisa necessária à existência humana. Podemos dizer que:

Se, a busca da Felicidade

é o motivo maior para viver,

e, se viver é uma a prática.

Então; a Filosofia que é a busca deste caminho

pela razão e pela sensibilidade,

se aplica inteiramente à nossa vida prática.

Assim, deixo ao meu aluno estas indagações para que ele mesmo por sua própria iniciativa busque; a se espantar, sentir, questionar, investigar, analisar, ajuizar, criticar, aprofundar, refletir, pensar e descobrir por sua própria razão a resposta. Na esperança de aplicá-la em sua vida prática, para que se torne cada vez mais, uma pessoa melhor, e depois, contar a todos nós, para que serve a filosofia?

Boa sorte!


Texto Produzido pelo Prof. Westerley Santos. Jun/22