Horário de Recreio: intervalo ou
Tempo-espaço
sociopedagogico?
As
lições que os escolares aprendem entre sí no pátio do colégio lhes são cem
vezes mais úteis do que tudo o que se lhes diga na classe”. (J.J.Rousseau- Emílio.
p.120).
N |
o livro segundo, da belíssima obra “Emílio” ou da Educação, Jean-Jacques Rousseau nos faz este alerta. E está aí um ponto de reflexão para mudança na Escola, o tempo de “recreio” ou “intervalo” para os alunos. E observem que na citação Rousseau não usa o termo recreio ou intervalo.
Este tempo pedagógico chamado de “recreio” ou “intervalo” quase não aparece nas legislações educacionais, são pouco discutidos nas reuniões escolares, quase nunca é objeto de reflexão quando se discute o processo de ensino-aprendizagem na escola, a organização dos horários, currículo e projetos pedagógicos. Por quê? Um dos motivos é que o “recreio escolar” é visto apenas como tempo-espaço para recreação, divertimento, brincadeira, descanso, passatempo ou intervalo entre aulas.
Na Escola pública, normalmente o turno da manhã, por exemplo, inicia-se as 7:00h, com cinco aulas de 50 min. Após o terceiro horário (2:30 h depois), há um intervalo de 10 a 15min para o chamado recreio. Neste intervalo de tempo, circulam pelo ambiente escolar de 600 a 700 pessoas em média, entre alunos, professores e funcionários. Lembrando que os prédios das escolas públicas são pequenos e muitos deles, improvisados para o funcionamento da escola, ou seja, não foram arquitetonicamente planejados para a circulação deste contingente. Destaque para as cantinas (quando há uma) que não suportam atender os alunos, por falta de espaço físico ou por insuficiência de funcionários para servir a merenda a todo este contingente, em tempo tão exíguo, situação que gera filas imensas de espera. (Aproximadamente 4 a 5 min de espera)
A mesma situação se vê na tentativa de uso dos banheiros. Na prática, quem vai ao banheiro não merenda ou quem merenda não vai ao banheiro, me disse uma aluna. Isso para cumprir as duas necessidades em 15 min, já que haverá mais 1:40 min de aula. Acaba que os alunos são obrigados a participarem de uma verdadeira maratona, de um corre-corre, todos os dias, durante todo o ano letivo. Ao fim, o que observamos? Alunos com fome até as 12:00h ou alunos que não lancham devidamente. E todos sabem o que isso significa para a aprendizagem e para o processo de ensino.
Mas, quero aqui levantar outro aspecto igualmente importante deste modelo de tempos e espaços escolares para responder o por quê, o “recreio” não é objeto de discussão no planejamento da escola e da educação.
O problema é que, gestores e professores, entendem este tempo escolar eminentemente como “intervalo”, “tempo de descanso”, de “recreação”, de “lazer” e não como um tempo pedagógico, de aprendizado.
Tudo bem que para os alunos este tempo escolar tenha esta conotação recreativa, mas, para nós professores, gestores, supervisores, com formação pedagógica, acadêmica e experiência na área educacional, é preciso que ampliemos a nossa compreensão sobre este tempo escolar. O recreio não é apenas um intervalo entre aulas, para descanso, lazer ou alimentação. É muito mais que isso!
Este tempo escolar deve ser visto como uma oportunidade ímpar de tempo e espaço para o encontro, o convívio social, a socialização, as trocas e práticas de relacionamentos em grupos, de formação de novos grupos de convivência, conhecimentos e reforço dos laços de amizades e solidariedade entre os alunos.
O Chamado recreio é o espaço-tempo e oportunidade onde e quando na escola, os alunos se encontram com seus pares, trocam subjetividades (sujeito-sujeito), exercitam sua juventude e se constroem como seres sociais. É o momento que o aluno tem para si na escola, para exercitar o bom e saudável bate-papo com o outro, seu igual. Para as primeiras experiências do sentimento de aproximação com o outro, o enamorar, o flerte, o encantamento da primeira paixão adolescente, muitas vezes inesquecível! É também quando descobre que não está só com suas alegrias e angústias adolescentes pois, há no outro, seu par, um igual que também vive problemas parecidos aos seus e muitas vezes é o que basta para que se apazigue diante das agruras da vida.
O recreio é onde os alunos se encontram e praticam a relação presencial, afetiva, é a oportunidade esperada, as vezes única, durante o turno ou até dias para que discutam suas questões, seus problemas, suas expectativas, seus sonhos. É no recreio que os alunos podem exercitar a afetividade, a sociabilidade com os seus iguais e aprenderem a conviver e respeitar os seus diferentes.
É neste tempo-espaço escolar que o aluno melhor enxerga sua escola, com um outro olhar, livre, contemplativo, para além das paredes das salas de aula, e se, se admirar, é provável que nasça ali um sentimento de pertencimento e cuidado com a escola. É o momento que ele tem para observar uma vez, tudo que tem visto todos os dias.
Diante destas questões penso ser pertinente nos perguntarmos: será que ao limitarmos estas manifestações naturais e necessárias do ser humano, com um tempo exíguo e espaço vigilante de 15min, não estaríamos antipedagogicamente, incentivando os encontros frios e distantes nas redes digitais? Inclusive durantes as aulas? Será que ao inibirmos e limitarmos tanto o tempo dos alunos para se relacionarem e exercitarem o diálogo entre si, não estaríamos inversamente incentivando a omissão da fala em sala de aula? A desídia estudantil? Será que ao minimizarmos esta prática de socialização e descobertas de si, com o outro, não estaríamos inversamente propiciando um ambiente de intolerância com as diferenças e agravando o chamado mal do século?
É no recreio escolar que o adolescente pode simplesmente ser e fazer as coisas que fazem os adolescentes. Sem que estejam a serviço da “ditadura” do conteúdo, dos métodos disciplinares de cada professor, sob o doutrinamento de seus corpos e movimentos ditados pelos mapas de sala, sob a pressão das provas de competências ou sob a atenção direcionada de um adulto que exige atenção, postura e silêncio, comportamentos muitas vezes próprios do mundo adulto.
É preciso entender que o “intervalo de recreio” é também um tempo sociopedagogico, de aprendizagem, não dos conteúdos das matérias, mas dos conteúdos de vida por meio do relacionamento com seus pares. Por isso, um dos pontos que devemos mudar nas escolas públicas é o tempo de “intervalo/recreio”, passando dos insuficientes 15min. para no mínimo 25 ou 30min, para começo.
Isso é necessário, mas não é suficiente. Precisamos mudar nossa mentalidade, nossa concepção como educadores, sobre este tempo escolar, e entendermos o recreio como espaço e tempo sociopedagógico, um tempo de convivência humana e aprendizagem de socialização. Esta mudança de mentalidade é fundamental para evitarmos argumentos contrários do tipo: “ se aumentarmos o tempo de recreio o turno terminará mais tarde” ou “se aumentarmos o horário do recreio estaremos tirando o tempo de aula” ou “ se aumentarmos o tempo de recreio estaremos descumprindo ou penalizando a carga horária do estudante”. Não é verdade. O que está errado é o paradigma, a mentalidade técnico-científica-conteúdista de educação que não insere o recreio no tempo de ensino-aprendizagem. O recreio sociopedagogicamente é parte da carga horária do aluno, como vimos. E por isso deve ser entendido como-espaço de aprendizagem escolar.
Se entendermos isso, aí sim, estaremos garantindo e respeitando o tempo de aprendizagem que inclui a prática do convívio social, como elemento imprescindível à socialização/humanização dos nossos alunos, e o recreio deixa de ser intervalo entre aulas, uma folga na carga horária escolar e passa a ser o que deve ser, sem precisar terminar o turno mais tarde caso se estenda o horário do recreio, sem temer “diminuição” da chamada carga horária do aluno. - O homem é um ser político e social. (Aristóteles)
E, caso entendamos isso, teremos adquirido então, amplitude e profundidade de percepção e compreensão da finalidade última do processo educacional que é a humanização do ser social pelo exercício da prática de socialização e convívio. E assim, poderíamos construir até dois momentos de socialização inclusive. Um depois do segundo horário (8:40) com lanche, já que vários alunos (e professores) chegam à escola sem o café da manhã e outro, depois do quarto horário com alimentação reforçada, já que a maioria ficará na escola até a tarde.
É certo que deste modo teríamos alunos (e professores) mais descansados, alertas, revitalizados para as aulas seguintes o que certamente, produziria melhores rendimentos e relacionamentos educacionais, tirando a escola da letargia terminal a que se encontra e criando um espaço escolar vivo, pulsante e agradável de se estar e conviver como a escola deveria ser.
A
Escola precisa repensar suas práticas se quiser continuar existindo em sua
finalidade!
Prof.
Westerley
Maio/2020
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P.S. Não é incomum,
alunos reclamarem logo cedo de estarem na escola, dizendo que queriam estar em
casa ou fazendo outras coisas. Muitas vezes pergunto: O que te faz vir à
escola? Cem por cento das vezes a resposta é: Porque meus pais me obrigam ou para encontrar meus amigos! Nunca ouvi;
para aprender tal matéria. (Inclusive a minha).